terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mesa


Tudo que ela não queria era ser uma mesa:
a integração dos gestos solitários,
o acompanhamento semi-fúnebre das horas sapienciais,
as sóbrias ligações entre-mãos,
a cumplicidade da finalização do prato.

Não quis ser mesa
com a mesma certeza que não se vai ao convés contemplar o infinito...
quando não se tem a dupla-chama.

Não quis congregar cadeira.
Não quis escorar a porta.
Não quis segurar a horta.
Não quis ser habitada.

Entre o silêncio de um não, uma mesa sozinha falava:
— triste é saber da causa do meu nunca-amada.






segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Desistência

Hoje estou desistindo do sonho que eu nunca tive
Estou desplanejando as horas convexas
Estou apagando da memória as conversas
Mórbidas, tépidas, de um sentimento sem fundo.

Hoje a minha bússola do tempo onírico
Descongelou a (des)vaidade em enrubesce da face.
Pude compreender que os anos pensam mais
Que a vida pede mais, mais que o simples pestanejar,
O simples contemplar do momento oportuno.

Hoje desfiz planos,
Hoje risquei da lista a glória,
Hoje desfiz a hombridade.

Desisto das minhas alheias compreensões
quase verdades do mundo.





terça-feira, 29 de outubro de 2013

Dama de Amor


Se existisse uma Dama de Amor
para sentir o calor da adorável chama
não procuraríamos na cama
o acalanto sóbrio das manhãs.

Se existisse uma Dama de Amor
para uma dupla chama de paixão
as almas não correriam,
não se cortariam, não cairiam no chão.


domingo, 27 de outubro de 2013

Remorso da paixão não vivida


Queria que você não me olhasse com este olhar estendido
Com este olhar (des)pretendido
Que, embora seja comprido
Ele, está comprimido de nada.

Não me alimentes.
Não me induzes.
Comigo não cruzes.

Já estou me acostumando com a memória
Ela é a única forma sóbria
De a Vida cantar.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

"A garota que eu quero" de Markus Zusak: uma história de resiliência e afirmação da masculinidade

Olavo Barreto de Souza

Há muito tempo vinha me privando de literaturas que não fossem nacionais. Por estudar a Literatura Brasileira, dela sendo, incondicionalmente devoto, persisti meu ufanismo protelando leituras que não fossem imaginadas e escritas por autores brasileiros. Acredito que no meu sangue exista um pouco do sangue de Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto que, na nossa literatura, representa o maior nacionalista brasileiro de todos os tempos. Pois é, me meti a major Quaresma, sempre carrancudo com o que não era brasileiro em literatura, mas quando a gente age por impulsão, quando nossos instintos ficam à flor da pele, não podemos resistir à tentação de ceder aos nossos desejos - salvo você seja um celibatário de alta ordem, muito compenetrado com seus ideias. Mas, desta vez, me cedi ao impulso de leitor apaixonado por histórias que envolvem o mundo adolescente. E também, me cedi à voz de outro leitor que falava com entusiasmo da leitura feita. Foi assim que deixei a xenofobia de lado e comecei a ler A garota que eu quero do escritor australiano Markus Zusak. Me cedi ao pecado de ler literatura estrangeira. Mas, com certeza, esse pecado já foi perdoado pelo crivo da consciência. Até porque, ler, para mim, será sempre um dos mais eficazes lenitivos.
A literatura, como criação do homem, trabalha com a vivência da humanidade. Costumo sempre dizer que a literatura emana toda a experiência do homem. E trazendo todo este ideal de humanização, como disse Antônio Candido, a literatura “(...) não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver.”[i]. Assim, o texto literário tem a capacidade de fazer o homem voltar para si para pensar naquilo que lhe é vital. Como um aceno, a literatura mostra ao homem quem ele é, e como ele pode se apresentar. Lygia Fagundes Telles, também já afirmava em palestra que o escritor pode ser louco, mas seus livros podem livrar o leitor da loucura[ii]. Ou seja, a leitura literária pode narrar um trauma, uma dor, de modo que o leitor, ao ter contato com o texto literário, poderá usufruir do conteúdo expresso nele para superar a sua lamúria. O romance que resenhamos aqui, de algum modo, pode estar associado a este ideal de consolação.
Markus Zusak em A garota que eu quero trabalha, dentre outros temas, de forma ampla com a temática da resiliência. Segundo a psicologia, a resiliência é a capacidade que o indivíduo tem para superar momentos de adversidade, sejam estes grande períodos de estresses, humilhações, dentre outros eventos que limitam a capacidade do sujeito. O ideal de força, na resiliência, toma lugar de destaque, pois, como em uma guerra que se luta só, o resiliente faz do seu sofrimento a principal arma de superação.
Publicado em 2013 pela Intrínseca, A garota que eu quero encerra uma trilogia escrita pelo autor australiano que contém os títulos, além do citado, Bom de briga e O azarão, ambos publicados pela Bertrand Brasil. Não tive acesso aos dois últimos livros citados, mas, o romance que propomos para leitura analítica dá um sinal geral de como poderia ter sido a narrativas desses outros romances.
Cameron Wolfe, é um adolescente bastante apagado pelo brilho das luzes de seus irmãos Rubem Wolfe e Stive Wolfe. Dentre esses três, ele é o caçula, de aparência singela, e sem muitos traços de superioridade masculina, uma vez que Rube, como ele próprio chama o irmão, é o cara mais forte que ele conhece, bom de briga e namorador; Stive, é jogador de futebol americano, bastante conhecido e com algumas vitórias na lista. De fato, frente a esta realidade Cam, como ele é chamado carinhosamente pelos seus familiares, é um garoto a menos. A narrativa ocorre em uma cidade metropolitana, visto que as personagens utilizam metrô e as descrições de ambientes urbanos são bastante presentes. A família Wolfe ainda formada por Sarah, irmã das personagens citas, e também pelos Sr. e Sra. Wolfe, pais de Cam e dos outros. Na casa paterna moram todos, menos Stive, que já maior de idade e possui sua própria casa. Dono de si, representa para Cam um modelo consagrado de vencedor. Pelas suas conquistas financeiras e de prestígio social. O outro ídolo de Cam é Rube, vencedor de inúmeras brigas com os rapazes da cidade, temido e respeitado por todos, além de ser, aquilo que compreendemos como macho alfa, muito namorador, sempre está com uma parceira nova. Além disso, está em ótimo estado físico e representa um perfume de sedução para as mulheres que se sedem fácil para ele através, apenas, de um simples olhar ou um mexido no cabelo. Atributos estes que Cam não tem, e inveja saudavelmente o irmão.
E Cam, quem é? Como ele próprio diz, um fracassado, um erro, um danado. Durante todo romance vemos a insatisfação desta personagem com a sua condição de masculinidade. Como ele não tem caracteres que lhe confere força, sendo sempre algo menor, frente aos outros homens, sua imagem está associada ao obscuro e ao introspectivo. Como o próprio Rube diz no capítulo inicial, se dirigindo a Cam, “Você é um cara meio solitário, não é?” (ZUSAK, 2013, p. 14). É uma solidão de alma que Cameron sofre, mais dolorida do que a dor que arrasa o braço. Mesmo com sua masculinidade atenuada pelo brilho dos seus irmãos, Cam, sexualmente está muito bem resolvido. A tensão pode demonstrar sua visão erotizante da mulher, faz com que, em pensamento, ele deseje se afogar no corpo feminino. Suas referências à mulher são sempre regadas com um sentimento amplo de desejo. Desejo esse que irá aflorar-se pela última namorada de Rube, a artista de rua Octavia.
Cam, em sua inocência de alma, espera dias e noites diante da casa de uma ex-namorada de Rube a oportunidade de declarar seu amor por ela. Os dias passam e a moça nunca aparece, mas ele nunca perdeu a esperança de vê-la. Tempos depois, após a sucessão de namoradas de Rube, o relacionamento dele com Octavia acaba. Eis que surge a oportunidade de Cam se apaixonar por ela, é o que ocorre. Entre cenas de amor e desejo, Octavia e Cam se realizam profundamente em seus anseios amorosos. Neste ínterim, Rube inicia relacionamento com uma vadia, assim Cam a declara, chamada Julia. A nova namorada de Rube vem de um namoro complicado, em que os laços ainda não foram totalmente cortados com o misterioso “telefonador”. O ex-namorado de Julia, sabendo do ocorrido, começa a telefonar várias vezes para a casa dos Wolfe, inicialmente não esboçava nada durante as ligações, depois começou a ameaçar Rube de morte. É tempo que o próprio Rube, cansado de tanto abuso, marca um dia para o confronto in presentia. O telefonador não aparece. Os dias passam e no segundo encontro ele aparece, e drasticamente Rube é massacrado.
Ser masculinizado por um ideal de força é um privilégio paras as sociedades ocidentais. De maneira geral, a virilidade divide os papeis sociais entre os indivíduos macho e fêmea (Cf. BOURDIEU, 2011). O construto histórico-social da masculinidade, conforme Chodorow (apud BONNICI, 2007, p. 177) “(...) inclui a crença na superioridade masculina”. Esta superioridade demanda em seu conceito uma compreensão formada psicossocialmente na cabeça do homem de que ele foi designado para reinar sobre todos. Nas sua constituição sobre de “ser” deve estar incutido o valor da diferença crucial entre o corpo do dominado, passivo e menor, e o corpo do dominante, ativo e maior. Na relação entre o homem e seu igual esta relação se dá de forma incisiva. Obter o título de macho alfa se dá à duras penas. E como na compreensão que ora formulamos o ideal de força está em foco, assim, o homem que tenta dominar outro homem, efetiva seu domínio tentando destruir o que lhe parece igual.
E esta dominação inter-masculina permeou toda a leitura que fiz do romance do Zusak. De modo, a afirmar sua masculinidade, Rube se mostra dominador em dois aspectos. Primeiro, afirmando-se macho pela facilidade de troca de parceiras. Não há relato no romance de contato sexual entre ele e suas namoradas, mas, o simples fato de ter a mulher como objeto de pertença já dignifica seu caráter de dominador. Tendo nesta prática o direito de optar pelo objeto feminino que quisesse, ao seu bel prazer. O segundo ponto, refere-se a afirmação de masculinidade para com seus pares. Desse modo, o seu irmão Cam, representa a inferioridade, o campo da falta. A compreensão androcêntrica, ou seja, que detém o homem como modelo para tudo, afirma-se pela contraposição de modelos. Enquanto neste pensamento, a mulher representa a base para a sustentação do homem, pois ele tem que dialogar com algo que lhe é oposto para se afirmar, compreendemos também que, na definição de macho dominador no romance, além de Rube se colocar em oposição às suas parceiras, ele também se coloca em contraste à Cam, que não possui os caracteres que dignificam como dominador. Esta tensão está compósita, de certo modo, em toda narrativa. Mas, com o desenrolar da trama, principalmente no clímax da história, o ideal da resiliência se ativa para definir o contraponto dos papeis.
Durante a briga entre o “telefonador” e Rube, há muito sangue, o narrador não nos dá notícia do fato em detalhes, mas compreendemos tudo através do pensamento de Cam. Como irmão solícito ao domínio de Rube, Cam sempre o acompanhou nas batalhas contra o “telefonador”. Mas, nesta última, por conta da interminável demora, ele vai embora e deixa o irmão só. Eis que no meio da noite Cam acorda com um mal pressentimento. Sentia que seu irmão não estava bem. E de fato, ele não estava. Segue em direção do local onde deixara o irmão e o encontra todo ensanguentado:
“Percebi que ele se arrastara para aquela posição junto à cerca. Havia uma pequena trilha de sangue deixando um borrão cor de ferrugem no cimento. Ele parecia haver se arrastado por dois metros, até não poder mais e não conseguir continuar. Eu nunca tinha visto Rubem Wolfe derrotado.” (ZUSAK, 2013, p. 164).
No momento de maior fraqueza e derrota do homem, eis que surge alguém que o segura pela mão e o levanta. Camenron, neste sentido, assume o papel da força que fora desprovida do testemunho de seu irmão. O deslumbramento do Cam sobre o estado de fragilidade de seu irmão, se configura um momento de epifania. Segundo Nádia Battela Gotlib (2003, p. 51), a
“epifania “é uma manifestação espiritual súbita”, em que um objeto se desvenda ao sujeito. Trata-se, em última instância, do modo de ajustar um foco ao objeto, pelo sujeito. Seria um último estágio desta tentativa de ajuste, que se faz primeiro com tentativas, depois, com sucesso.”.
Portanto, o estágio de epifania no romance se confira pela consciência de poder que Cam exerce no cume da narrativa. Durante todo enredo, esta personagem busca um ideal de força espelhado no irmão. Na cena do capítulo 18, em que há a derrota de Rube, este ideal é alcançado por Cam através da contraposição de poder. Rube está desprovido dos acionamentos da força pelo seu estado de fragilidade, Cam, como sujeito determinado assume o papel da força que tanto almejava e aí se estabelece também sua resiliência:
“Enquanto a lua era tragada por uma nuvem, enfiei os braços por baixo das costas e das pernas dele e o levantei. Segurei Rube no colo e o carreguei pelo beco, em direção ao mundo mais largo da rua.
Meus braços doíam e acho que Rube desmaiou, mas eu não podia parar. Não podia deixá-lo cair. Tinha que chegar em casa.” (ZUSAK, 2013, p. 164-5).
O ato de carregar o irmão feito por Cam, representa o clímax da conquista do ideal de poder. Nas mãos dele está a prova de que até o homem que se diz mais forte, também cai. Mas a força maior está naquele que se manteve intacto e socorreu quem necessitava dela. Quando o pensamento da personagem refere-se a levar o irmão ao “em direção ao mundo mais largo da rua” (op. cit.), cremos que isso reflete a afirmação de que Cam vence suas barreiras que impediam a consolidação de sua masculinidade. Mostrar ao mundo que se é forte, assumir-se como homem amplamente, como o “largo da rua”.
Por fim, no último capítulo temos a cena marcante que dá desfecho à consolidação da masculinidade de Cameron. O Seu irmão, Rube, símbolo forte de macho, confere a Cam sua admiração:
- Oi, Cam – disse ele.
- Oi, Rube.
Estava nervoso, deu para perceber.
- O que você veio fazer aqui? – indaguei.
Suas mãos brincavam com os bolsos quando ele se agachou. Nós dois contemplamos a água, e percebi que Rube estava desmoronando, só um pouquinho. Ele olhou para a frente e disse:
- Eu tinha que vir lhe dizer uma coisa...
Olhou para mim então. Estávamos nos olhos um do outro.
- Rube? – chamei.
A água do cais subia e mergulhava.
- Olhe – disse ele -, passei a vida inteira meio que esperando que você me admirasse, sabe?
A expressão de seu rosto me buscou. Assenti.
- Mas agora eu sei – prosseguiu. – Agora eu sei.
Esperei, mas não veio nada. Então perguntei:
- Sabe o quê?
Rube me encantou e sua voz estremeceu ao dizer:
- Sou eu quem admiro você... (ZUSAK, 2013, p. 171-2).
Desse modo, observamos que, com este trecho há a consolidação absoluta da resiliência e da afirmação de Cam na narrativa, uma vez que aquele que era o símbolo máximo de grandeza masculina afirma ao seu semelhante a admiração pelos seus feitos. Ou seja, eleva aquele que antes parecia pequeno. Tudo isso com a ternura própria que a consanguinidade fraterna confere. Quem antes era um fracassado por não ter uma namorada, por não possuir um status de força e coragem, no fim da narrativa ganha tudo isso. Uma amada que completa sua existência e a admiração do irmão, espelho de masculinidade.
Como um romance eu trata da humidade, das experiências do ser humano, seja pelo “amor” ou pela “dor”, o livro de Markus Zusak, encerra suas páginas em tom reflexivo. Vale salientar que Cam é poeta, e no final de cada capítulo temos um exemplo de seus textos. No capítulo final da obra, temos o encerramento do mesmo com o poema “As bordas da palavras”. Neste texto, compreendemos que a vida é feita da circunstância, dos momentos. E que na base dessas experiências está a grande possibilidade de cair, mas de levantar em seguida:
“Penso agora nas bordas das palavras, na lealdade do sangue, na música das meninas, nas mãos dos irmãos e em cães famintos que uivam pela noite.
Há inúmeros momentos a serem lembrados, e às vezes acho que não somos pessoas, na verdade. Talvez sejamos momentos.
Momentos de fraqueza, de força.
Momentos de salvação, de tudo.
Vaguei pela vida real e me escrevi na escuridão das ruas dentro de mim. Vejo pessoas andando pela cidade e me pergunto onde estiveram, e o que os momentos de suas vidas fizeram com elas. Se são parecidas comigo, seus momentos as sustentaram e as derrubaram.” (ZUSAK, 2013, p. 173).

Referências:
BONNICI, Thomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: Eduem, 2007.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kühner. 10ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. 10ª ed. 4ª reimpressão. São Paulo: Ática, 2003.
ZUSAK, Markus. A garota que eu quero. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

Olavo Barreto de Souza atualmente é estudante do curso de graduação em Letras da UFCG, campus I. Participou de pesquisa sobre a produção literária das poetisas paraibanas na modalidade de projeto de Iniciação Científica. Possui artigos publicados sobre a poesia paraibana escrita por mulheres. Além de estudioso da literatura, é poeta. Suas publicações poéticas estão disponíveis no blog: <todaspalavras.blogspot.com.br>.


[i] CANDIDO, Antonio. “Direito à literatura”. In: Vários escritos (1988). Disponível em: < http://culturaemarxismo.files.wordpress.com/2011/10/candido-antonio-o-direito-c3a0-literatura-in-vc3a1rios-escritos.pdf>.
[ii] TELLES, Lygia Fagundes. Disponível em: < http://www.revistabrasileiros.com.br/2011/01/12/que-tudo-se-realize/>

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Metalinguagens


Poesia é um composto de coração, cabeça e alma. Só que nem sempre a cabeça combina com a alma e nem sempre o coração concorda com a cabeça. Alma e coração são amigos/inimigos fingidos: ora se completam ora se distraem. A poesia é o fruto desta relação multi-transitiva entrecortada pela rima, o circunstancial e as imaginações.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Crise de ciúmes

Hoje, diante de tanto atordoamento que meu coração vive, eu não sei até quando vou aguentar ficar com este gato na minha garganta. Entre o coração e a boca, este gato já arranhou tudo que pode solucionar a contemplação do amor no amor. Eu desejei um banho de água fria para conter meus sentimentos. Eu desejei ficar o dia inteiro em uma chuva, pegar um resfriado e não sentir este gato da garganta. Senti o mundo girando e a sua mão desaparecendo de minha visão. Hoje senti a chave da vida cair das minhas mãos. Não consigo ficar de pé diante da aparição plena da causalidade e do descuido. O mundo quase morreu diante de minha face.
Eu, logo eu que tenho o maior desejo de olhar nos teu olhos e colocar para fora este rio que todo dia bate na represa do meu coração, tive o curso do rio quase cortado. Eu quero te molhar na alma com o meu rio de sentimento. É um tormento guardar isso. Esperei uma eternidade na escuridão dos dias claros. Buscava cavernas para não revelar o curso do meu rio. Muitas almas chegavam para se aproveitar da água límpida do meu sentimento, mas nunca deixei que ninguém tocasse na margem, nem no fundo deste rio. Reservei uma noite enluarada para tu, dama dos encantos, se molhar por inteiro nos rios da minha alma. Neste dia te cobrirei de um bálsamo inebriante de amor. Haverá cânticos de suave harmonia conduzindo o vento que cobre teu rosto reluzente. Como luz que invade um ambiente escuro, assim tua alma invadirá o curso do meu rio. Reflexos de tua amplitude luzente farão das margens do meu rio a prata mais pura em reflexo de luz. Mas... para tanto, não quebres o cristal que me une a ti. Não quebre o espelho que me faz te ver em distância convexa. Mal posso pensar se este cristal se espedaçar. Em cacos cortantes, meu coração também seria conduzido.

Minha crise de ciúmes apenas me mata.

Olavo Barreto.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

À luz de um dia


Esta manhã, refratário de nossas almas, contempla a vivacidade que existe entre o repouso e a luta. Muitos acordaram hoje para ruminar o brilho das fugacidades em cada passo cheio de bolor rotineiro. Muitos acordaram hoje para teogonizar sua incertezas, cheias de ilusão e falsas conquistas. Muitos acordaram hoje para protelar o substantivo de suas vivências, ora para dar vasão à preguiça, ora para sustentar sua cobiça. Muitos acordaram hoje para reviver na fé, pulando em cada instância para não terminar sem ouvir a voz da ciência divina. Quantas pessoas não acordaram também? Procuram o asilo terno de sua cama para nunca mais voltar. Procuraram a luz que de tão forte nos faz cegar. Agora, poucos, e disso tenho certeza, acordaram para fazer poesia. Nem que fosse para cantar a musa antiga, velha madona dos nossos cantares. Poesia é café amargo e sôfrego. Tomai teu café e vive tua canção. Toma coragem na luta, e vive tua poesia. Porque ao alvorecer na nova manhã não terás mais a mesma rima.

Olavo Barreto.

domingo, 22 de setembro de 2013

Palavras e alma


Palavras são fragmentos da nossa alma que quando saem de nossas bocas enchem o mundo de nós mesmos. Sozinhas fazem pouco, mas quando encontram outras, soltas na imensidão do mundo, uma teia de poesia enche a amplitude no nosso ser. Quando as palavras se encontram, as almas fazem o mesmo.

Olavo Barreto.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Repouso



Deita morena...
Deita sobre mim o teu coração inebriante
Deita sobre mim as curvas da consolação
Deita sobre mim os teus lábios angélicos.

Deita morena...
Deita sobre mim a fechadura que abre a vida
Deita sobre mim os rios do teu encanto
Deita sobre mim os diamantes cintilantes de tua boca.

Deita morena...
Deita e repouse em eterno de amor
Deita e dorme nesta madrugada onírica.

Olavo Barreto.

Desconsolo



Chora minha alma, chora
de amargura e desprezo...
Chora minha alma, chora
de pesar em terno ensejo.

Chora minha alma, chora
por não mais ter paciência...
Chora minha alma, chora
pela boca calada à clemência.

Chora minha alma, chora
coração negro e sem som...
Chora minha alma, chora
lágrimas frias de profundo tom.

Olavo Barreto.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Sonhos e beijos


Eu sonhei contigo, morena.
Eu sonhei te beijando eternamente
Tua boca de sabor, pura e pequena.

Eu sonhei contigo, morena.
Viajando entre nuvens
Tendo uma luminosa paixão plena.

Ah... nossos beijos
sonhei como um homem sonha com sua amada...
Tu, vestida de branco, sorria para mim
Eu, de vestes simples, caminhava ao teu lado
Tu, com palavras doces, contemplava meu coração
Eu, com um abraço terno, te abraçava em comoção.

Éramos perfeitos.

A luz do nosso olhar ofuscou o brilho da lua dos amantes.
E o sol não mais aparecia,
Porque o nosso beijo era mais intenso,
Do que a própria luz do dia. 

Olavo Barreto.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Confissões



Ai, minha Morena dos Encantos...

todos os dias penso na tua beleza. Como eu queria ser Homem o bastante para poder ter só o teu olhar. Teus olhos são como um sol que nunca passa. Mesmo diante da noite, o teu brilho permanece intacto. Não podem as trevas te tocar; não podem as trevas te amarrar; porque você é toda luz. Se o meu coração que era uma nuvem escura, apenas com a tua presença, se tornou centelha de amor, imagina se tu voltasses toda para mim?
Ai, a tua luz me transpassaria... Seria eu um ser todo amor. Seria eu um ser de luz como tu, Anjo de suprema beleza.
Nas noites de pensamento vulto, não consigo dormir sem contemplar no meu coração a tua imagem. 
Virgem eterna das saudades: foi assim que te nomeei, desde a última vez que trocamos palavras. Minhas palavras, tão monótonas, cumpriam a escala normal do tempo, afirmando banalidades. Tais palavras, mascaradas de nenhum sentimento, desejavam revelar-se para ti como um mel apaixonado.
Ao ver-te, amada, sob o crepuscular da manhãs, nas horas médias entre o viver e o repouso, meu coração dói. Tenho a maior dor que uma alma pode sentir. Sem nenhuma intervenção feita pelo braço, que arrasa o peito, que quebra o cristal do corpo. Sinto uma dor imensa. “Dor que desatina sem doer”, como o amigo Camões revela. Eu sofro, por mim mesmo, porque tua alma não se volta para mim. Ai como desejo sentir tua alma respirando junto a minha, sincronizando os cânticos espirituais que proferem nossas bocas no êxtase da bonança, do laço, do eterno dar-se em pleno sentimento. 

Olavo Barreto.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Quantas páginas são precisas para contemplar uma manhã inteira?


Hoje eu decidi escrever. É preciso mais escrever, para mais viver! É preciso juntar um montante de páginas para "contemplar inteiramente uma manhã". Na ponta do lápis, os dedos no teclado. Quis ser Manoel de Barros para desvendar o amanhecer. Mas não qualquer amanhecer. O amanhecer da completude. 
Eu mesmo estou me desafiando. Não posso contemplar o crepúsculo deste dia sem ver um montante de páginas que relatam o respirar das horas. 
Portanto, meu leitor, se quiseres ler o uma alma, aqui está ela nua. Tirei a roupa da vaidade e me deixei contemplar no puro momento da leitura. 
Se poesia farei, nem eu mesmo sei. Sei que escrevo e "cumpro a sina". 

Eu, me sentido poético e meio no limiar de uma tarde. 

Olavo Barreto.


sábado, 10 de agosto de 2013

Tudo que eu queria era fazer um último poema de amor

                Neste início de manhã eu pensei devotamente mais um vez no Amor. Você que tantas vezes toma o coração dos homens como uma volúpia eterna; que enche os corações de vigor e superação; que dá sentido à vida quando não há mais chances para vender pelas próprias forças. O Amor é um antídoto para a alma em desespero, combustível para que todas as manhãs eu possa pensar em você novamente. E por isso todo o verbo que eu sugiro tem cuidado para de alguma forma se esbarrar em você: porque você me deu o ar que enche os pulmões cheios da fumaça da indiferença, expulsando-a; me deu o correr do sangue clamor da juventude eterna e da imortalidade do sentimento.
                Amor, eu queria que meus versos, meu sempre último poema de amor, tivesse o seu efeito. Ai amor, como eu sofro pelas linhas rimadas. Como sofro pela palavra nunca dita, o olhar desviado, o sorriso contido e o sentimento cortado. Eu não queria nunca me cortar, sangrar sem necessidade, mas é impossível neste sentimento não se cortar, não se arranhar, não amarrotar o convite à esperança plena.
                Eu invejo os voluptuosos amantes. Cheios de vigor no seus encontros. Quando os amantes tocam a alma, um fluido de sintonia e prosperidade invade o ar. Fico inebriado pelo profundo beijo que irradia uma luz imensa que clareia todo o meu ser - quase nulo em tudo. Ficaria, eu, horas e horas a contemplar a Beleza que não tenho, o Dia que não vem. Mas se eu fizesse isso enlouqueceria. Minha alma tem uma ferida que só se cura com um amor de volúpia. Esses amores que unem os corpos e deixam no ar um perfume que embriaga a totalidade dos homens. Longe de ser devassa, esse amor-volúpia não mancha, só limpa, porque já nasceu na limpidez de um tez translúcida, corada pela essência do bálsamo do encanto.
                Eu, hoje, amo um Anjo. Pena que está longe da minha experiência. Um anjo feminino. Mal sabe este anjo que todos meus poemas são seus, porque de seu sorriso brotou. Mal sabe este anjo que todas as minhas aspirações são para contemplar sua beleza morena. Mal sabe este anjo que no meu interior eu investigo seus passos para saber se eles vão se afastar mais de mim. Ai anjo, me guarda, me protege! Queria que você fosse meu sentinela!
                Neste coração que bate profusamente em passos do silêncio há um clamor que nunca cessa. Nele existe um oceano de ventura, as mais altas evaporações de sentimento. Eu quis tê-La e terminei sendo tomado como um alma perdida em um deserto vertiginoso onde o brilho do seu olhar é o sol que me conduz para a verdadeira Miragem.

Olavo Barreto.

                

domingo, 30 de junho de 2013

Sobre o tempo nas horas da vida


As vezes preciso escrever alguma coisa para me concentrar em outra escrita "mais obrigatória" do que a que faço neste momento. E por conta disso é que tomo a liberdade de refletir sobriamente sobre o tempo que gastamos, ou melhor, procrastinamos, nos momentos em que devemos dar maior atenção ao trabalho da última hora. 
Sentimento de fuga. Essa é a verdade. Mas, porque fugimos? Existe uma razão para fugirmos de tudo e não tornar, pelo menos por enquanto, ao nosso trabalho do agora. A felicidade é um lugar cheio de ternura e afeto, na felicidade encontramo o espaço que a falta de liberdade nos dá. Dessa forma, quando nos propomos a seguir um caminho que está proibido naquele momento, queremos, na verdade, sermos livres. A liberdade é o sentimento mais vil que a última hora pode nos oferecer. Tomamos a liberdade de ser aquilo que não fomos convidados a assumir. Assumimos um tempo que não é nosso, sendo por inteiro nosso, a partir da palavra em sua magna ostentação do agora. 
E assim a vida se esvai. E com a vida o tempo. O Senhor dos Destinos, o filho máximo da decisão. O que cura e o que mata. Quanto o tempo já não nos feriu com seu elixir de gosto amargo e forte? E nestes momentos de fuga tomamos expressivamente mais um gole desse elixir que esvai nosso pensamento. Uma droga que nos eleva psicodelicamente, mas, pela força da consciência, de forma efêmera perdemos o Senso do Eterno e caímos na pontualidade do momento que grita com a força de uma multidão em guerra: VOLTE AO TRABALHO! 
E neste momento a vida não é mais um deslise completo sobre os mares. Passamos do tempo que não acaba para o escorrer da água quente sobre as habilidosas e descansadas mãos.